segunda-feira, 4 de julho de 2011

Plano de aula: Poesia periférica

Tema: Poesia engajada e desigualdade social

Objetivos: Despertar nos alunos a conscientização que o fazer poético não se restringe somente aos cânones literários valorizados pela crítica, mas que também existe uma produção pulsante de literariedade feita pelas camadas mais desprestigiadas da sociedade. Além disso, a presente aula também possui como objetivo enriquecer o conhecimento dos alunos ao apresentar novas manifestações, visando a quebra de estigmas preestabelecidos.

Conteúdo: A poesia de Deley de Acarí

Tempo Estimado: Três aulas

Material necessário: Cópia do poema “Não há um canto da favela” de Deley de Acarí

Introdução: Tendo em mãos o poema “Não há um canto da favela” de Deley de Acarí, o professor possui uma excelente ferramenta de trabalho, pois poderá aproximar a cultura literária preconizada até então sob um viés elitista, da realidade da maior parte dos brasileiros, podendo inclusive, construir juntamente com os alunos, o perfil das favelas brasileiras, as virtudes e mazelas existentes nas comunidades, traçando um perfil fidedigno das desigualdades sociais, a partir de uma perspectiva engajada.

Desenvolvimento:

Primeira aula

1° momento: Dê início à aula distribuindo o seguinte poema para os alunos:

Não Há um Canto da Favela

Não há um
canto de favela
que não guarde
uma história.

Não há
um canto
de favela
que não tenha
um conto
pra contar.

Não há
um canto
de favela
que não guarde
histórias
nas marcas
da ultima
enchente nas
paredes dos
barracos
que levou
agua á baixo
tvsvideosgeladeiras
armários,
roupaspanelas
que ficou-se
devendo prestações
mas com sorte
saiu-se
com vida.

Não há
um canto
da favela
um cantinho
de viela
que não guarde
ainda os sons
das vozinhas femininas
infantis
brincando
de casinha e Bárbie
até uma
sairavada de AR-15
botar todo mundo
embaixo da mesa
da cozinha
longe do lugar
da bala perdida
achar um.

Não há
um canto
da favela
que não guarde
as vozes sussurradas
dos meninos
contando
a boca miúda
os feitos lendários
de Jotaélli
quando da retomada
épica do seu
Reino d'Pó
das parades do Acari.

Não há
um canto
da favela
que não guarde
o testemunho
choroso
de um irmão em Deus
subitamente
pervertido a fé cristã
depois de tantas
dores e horrores
que infligiu
aos seus inimigos
e suas famílias
aqui na Terra. (Deley de Acarí)

2° momento: Peça aos alunos que seja feita uma leitura silenciosa do texto.

3° momento: Inicie um debate com os alunos, levando-os a compartilhar suas opiniões sobre o tema abordado no texto de Deley de Acarai, tais como: violência, desigualdade social, estigmatização, preconceitos, etc.

4° momento: Construa juntamente com os alunos os aspectos valorizados pelo atual sistema literário, inclusive a falta de abertura para com os escritores oriundos de meios sociais desprestigiados, além disso, através de uma mediação, seria interessante que os alunos construíssem o perfil do escritor, pois isso os levaria consequentemente, a refletir sobre a sua trajetória de vida e, sobretudo, a ligação existente entre possíveis experiências e o estilo do poeta. O debate deverá ser conduzido visando a reflexão sobre a falta de incentivo, políticas públicas consistentes, fomentação à leitura e valorização das produções literárias periféricas.

Segunda aula

1º momento: Ainda abordando a temática do poema de Deley de Acarí, solicite que os alunos produzam um poema que possua em seu conteúdo as reflexões feitas durante o debate da aula anterior.

Terceira aula

1° momento: Receba as produções feitas pelos alunos e faça uma correção coletiva, dando abertura para que eles apontem nos textos falhas encontradas e que possam também sugerir melhorias.

Avaliação: Organize uma feira expositiva na própria instituição escolar onde os alunos possam apresentar suas criações em forma de sarau.

Desmundo: Uma análise híbrida

O filme Desmundo, baseado no romance homônimo da escritora Ana Miranda, reconstitui com extrema sinceridade o processo de colonização do Brasil, através do ponto de vista da personagem Oribela, uma das sete orfãs enviadas à colônia de Portugal ao mando da Igreja, a fim de se casarem com os colonos que aqui residiam.
Essa medida fazia-se notória no período, já que a miscigenação entre raças era considerada um pecado, pois ia contra os preceitos cristãos tão arragaidos na consciência dos portugueses e que, além disso, consideravam as raças indígena e negra como seres inferiores e destituídos de alma.
Entretanto, através de uma breve contextualização histórica, percebe-se claramente que nem mesmo o cristianismo foi capaz de inibir a ocorrência dessa situação e, sobretudo, que a principal preocupação dos colonos era fundamentada na perpetuação do poder exercido pela raça dominante em relação às raças subjugadas.
Dessa forma, visando um melhor entendimento do filme, faz-se necessário que ao contexto cinematográfico, seja adicionada também uma contextualização histórica e literária, visto que todos percorrem caminhos semelhantes e enriquecem a assimilação quando analisadas em conjunto.
Não é possível analisar contextos literários sem citar Antônio Cândido, um dos maiores nomes ligados à literatura brasileira e estrangeira da atualidade, o autor é responsável por diversas obras importantes no âmbito literário, entre elas o livro "Iniciação à literatura brasileira", que serviu como base de estudo, enriquecendo a análise, a reflexão e posteriormente, um entendimento mais aprofundado do filme. Cândido postula que:

"...houve o transplante de línguas e literaturas já maduras para um meio físico diferente povoado por povos de outras raças, caracterizados por modelos culturais completamente diferentes. (...) Havia, portanto, afastamento máximo entre a cultura do conquistador e a cultura do conquistado, que por isso sofreu um processo brutal de imposição."

Em outras palavras, o autor afirma que a maneira mais efetiva de se impor uma cultura a dada região se faz a partir da imposição linguística, em Desmundo, essa imposição se faz presente em importantes cenas, servindo de exemplo a que o padre senta-se à mesa juntamente com Oribela e seu marido Francisco de Albuquerque, e ao chegar dois jovens índios, o padre afirma que eles podem se juntar a eles por já serem considerados cristãos, e inesperadamente, os índios dizem palavras de agradecimento em português.
É importante ainda ressaltar que os diálogos do filme foram feitos em português arcaico, inclusive as falas em línguas indígenas e africanas, objetivando uma reconstrução fidedigna do processo de colonização portuguesa.
Além da imposição idiomática, esse mesmo trecho abre espaço para uma breve análise da dominação religiosa existente nesse período, pois não só de comercialização dos povos, exploração dos bens naturais e imposição de uma nova cultura é feita o processo de colonização, já que os portugueses também transplantaram costumes religiosos cristãos aos grupos dominados.
Dessa forma, como todas as mudanças impostas pelos colonizadores tinham como base os valores do catolicismo, o filme também aborda a realidade dos judeus convertidos ao cristianismo, também chamados de novos cristãos, deixando claro que a intolerância da Igreja não abrangia somente a falta de religião dos nativos, mas também as diferentes religiões existentes.
Essa situação de preconceito religioso foi representada pelo personagem Ximeno Dias, um comerciante de índios que se relaciona com Oribela, quando a jovem insatisfeita com o casamento arranjado, abandona as escondidas a propriedade de Francisco e permanece na casa do novo cristão, até que possa embarcar no próximo navio rumo ao reino de Portugal.
Objetivo este que não foi alcançado com êxito pela personagem, já que após protagonizar uma mortal luta de armas com Ximeno, Francisco consegue resgata-la, retornando para casa. O impasse entre Ximeno e Francisco viabiliza mais uma vertente do período de colonização que o filme nos permite analisar: a posição da mulher no século XVI.
Destituídas de qualquer traço de independência moral, social, financeira e sexual, as mulheres eram vistas como seres inferiores, obrigadas a viver em um ambiente hostil, submetendo-se a diversas formas de violência praticadas pelos homens e aceitando-as passivamente.
Talvez seja esse o aspecto que mais facilmente possa ser observado, tanto por não exigir do recebedor conhecimentos aprofundados da colonização, quanto pela atemporalidade desses traços machistas, que infelizmente persistem até os dias atuais em muitos lugares.
Dessa maneira, Desmundo retrata cruamente os primeiros anos do descobrimento do Brasil em todos os aspectos possíveis, e constitui, sobretudo, um fértil produto para comparações e estudos literários, pois assim como a formação da nação não se deu de um dia para outro, tampouco foi a da Literatura. No que Cândido conclui:

"Foi transposição de leis, dos costumes, do equipamento espiritual das metrópoles. A partir dessa diferença de ritmo de vida e modalidades culturais formou-se a sociedade brasileira, que viveu desde cedo a difícil situação de contato entre formas primitivas e formas avançadas, vida rude e vida requintada. Assim, a literatura não "nasceu" aqui: veio pronta de fora para transforma-se à medida que se formava uma sociedade nova."

Portanto, o filme do francês Alain Fresnot, constitui uma belíssima obra que revela sem pudores os dramas vividos por Oribela, escancarando toda a realidade e podridão de um mundo em que, como diz a mãe de Francisco de Albuquerque e inclusive, o próprio cartaz do filme: "ninguém é inocente, muito menos tu".